segunda-feira

A "Carta de Caminha"....507 anos depois!

No Modernismo brasileiro de 1922 ( e depois no movimento tropicalista de Gilberto Gil e Caetano Veloso,assim como na obra de vários poetas contemporâneos),temos uma retomada do século XVI,uma tentativa de redescobrir o Brasil.Descobrir tanto no sentido de desnudar,atirar fora a capa que encobre a verdade,como no sentido de ver pela primeira vez.Manifestações de um nacionalismo crítico,de volta às origens para repensar a história a a literatura brasileiras,mesmo que para isso,muitas vezes,se faça uso da poderosa arma da ironia
.
Dessa forma,vários artistas reescreveram trechos da "Carta" de Caminha ironizando o espanto dos europeus,realçando as belezas e riquezas da terra e,principalmente,exaltando a pureza do estado natural dos índios,que não sabiam o que era escravidão,nem pecado,nem muito menos o que era sífilis.

Transcrevo,a seguir,alguns fragmentos de textos que recriaram a "Carta" quatrocentos anos depois:

A terra é mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço.
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.

Reforçai,Senhor,a arca,
Cruzados não faltarão,
Vossa perna encanareis
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui.
(Murilo Mendes)

Os Selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
e não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados
(Oswald de Andrade)

As galas da terra
Vo-las contarei
Se a tanto engenho
Ou arte me ajudarem,
Senhor meu El-Rei.
E logo topamos
Com u'a estranha grei:
Pardos,todos nus,sem coisa alguma
Cobrindo-lhes o pêlo,
Senhor meu El-Rei.

A língua se me abrase.
Das donas falarei.
Ai vergonhas tão altas e cerradas,
Tão limpas,tão tosadas,
Senhor meu El-Rei.

Tanta inocência prova
O que me afigurei:
Que qualquer cunho neles
Se há de imprimir,querendo
O Senhor meu El-Rei.

De ouro,ferro e prata
Nada vos contarei,
Mas terra em tal maneira
Graciosa,é de valia
Ao Senhor meu El-Rei.
(José Paulo Paes)